- Author,Subhajyoti Ghosh e BBC Bangladesh
- Role,Serviço Mundial de Línguas da BBC
Sheikh Hasina, a primeira-ministra de Bangladesh, renunciou e fugiu do país após protestos que resultaram em mais de uma centena de mortes.
Relatos apontam que ela e sua irmã foram transportadas num helicóptero do exército para um local considerado seguro.
O paradeiro de Hasina ainda não está claro — acredita-se que esteja a caminho da Índia.
Grandes multidões de manifestantes invadiram a residência oficial de Hasina na capital, Dhaka, apesar do toque de recolher e do bloqueio à internet em voga no país.
O derramamento de sangue é um dos piores que o país do sul da Ásia já viu desde a independência, em 1971.
O protesto estudantil começou em julho com apelos à abolição das cotas de empregos públicos, mas transformou-se em exigências para que Hasina renunciasse depois de quase duas décadas no poder.
Durante dezesseis anos, Hasina tirou Bangladesh do mapa da pobreza.
Alguns dizem que os grandes avanços pelos quais a nação passou se devem a ela. Outros, no entanto, defendem que isso aconteceu apesar do governo, que se tornou cada vez mais autocrático.
A queda de Hasina
Conhecida por ser calma e firme, Hasina é filha do presidente fundador de Bangladesh e já superou muitas crises e atentados.
Durante o seu mandato, o governo sobreviveu a uma rebelião nas forças paramilitares fronteiriças do país, que resultou na morte de 57 oficiais do exército, a três controversas eleições gerais fortemente criticadas pela comunidade internacional, a alegações de violações dos direitos humanos e a protestos de rua.
No entanto, nas últimas semanas ela enfrentou o que pode ser considerado o desafio mais sério de toda a carreira política da primeira-ministra, à medida que os protestos estudantis passaram a dominar o país.
No domingo (4/8), o tribunal superior de Bangladesh eliminou a maior parte das cotas destinadas para cargos públicos.
Os protestos contra essas cotas (entenda mais a seguir) foram o fator que iniciou os confrontos violentos em todo o país.
Mais de 100 pessoas — a maioria jovens estudantes — foram mortas, muitas em decorrência da resposta violenta das forças de segurança do governo.
‘Uma panela de pressão’
O pesquisador Mubashar Hasan, da Universidade de Oslo, na Noruega, que pesquisou extensivamente o autoritarismo na Ásia, acredita que este não é um processo que aconteceu em Bangladesh da noite para o dia.
Segundo ele, essa é “uma situação de panela de pressão prestes a estourar”.
“Estamos falando de um país onde o Índice de Liberdade de Imprensa está abaixo da Rússia”, disse Hasan à BBC Bangladesh.
“A excessiva politização do espírito da guerra de libertação por parte de Sheikh Hasina e do partido dela, a negação dos direitos básicos de voto aos cidadãos, ano após ano, e a natureza ditatorial do regime irritaram uma grande parte da sociedade.”
“Infelizmente, Hasina nunca se tornou a primeira-ministra de todos no país. Em vez disso, continuou a ser a líder de apenas um grupo”, diz o professor.
Hasan não está surpreso com os últimos acontecimentos em Bangladesh.
Como citado anteriormente, a agitação no país começou a partir da insatisfação de estudantes universitários que exigiam a abolição de um sistema de cotas, segundo o qual 30% dos empregos públicos eram reservados aos descendentes dos veteranos da guerra de libertação de 1971.
Os protestos aumentaram após o Tribunal Superior ter restabelecido o controverso sistema de cotas no mês passado.
Aos poucos, os atos ficaram mais violentos quando trabalhadores do partido do governo atacaram manifestantes.
No início do domingo (4/8), o Supremo Tribunal de Bangladesh anulou a controversa decisão do Tribunal Superior, que havia restabelecido o sistema de cotas.
Próximos passos
A decisão do tribunal, no entanto, não foi suficiente.
Os estudantes querem agora justiça para dezenas das pessoas que morreram, o que significa que vários agentes da polícia e trabalhadores do partido no poder terão de enfrentar julgamentos.
Nahid Islam é uma figura-chave no movimento de protesto e falou exclusivamente à BBC após ser libertado.
Embora ele não seja o único líder do movimento, está entre os mais proeminentes.
“Ainda não foi decidido se continuaremos nosso movimento em meio a esta situação de toque de recolher”, disse Islam.
Riva Ganguly Das, diplomata sênior aposentada da Índia com experiência em Bangladesh, diz que a situação no país é “confusa e intrigante, para dizer o mínimo”.
A vizinha Índia, que do ponto de vista internacional é vista como a mais forte apoiadora do regime de Sheikh Hasina durante uma década e meia, observa a situação do outro lado da fronteira.
Na sexta-feira (2/8), o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia declarou que os protestos são “assunto interno daquele país”.
O mesmo porta-voz admitiu mais tarde que o ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, monitora pessoalmente a situação, indicando que o país não pode permanecer distante dos desenvolvimentos alarmantes na vizinhança.
Como surgiram os protestos?
Durante uma conferência de imprensa realizada na semana passada, ela fez referência ao movimento de reforma de cotas, enquadrando o sistema como uma dicotomia entre forças a favor e contra a libertação do país.
Essa é uma narrativa que o partido da primeira-ministra utilizou para obter influência política na última década.
“Se os netos dos lutadores pela liberdade não recebem cotas, então os netos de Razakars [colaboradores paquistaneses] deveriam receber cotas? Essa é a minha pergunta”, declarou ela.
Em poucas horas, estudantes universitários começaram a protestar contra o comentário da primeira-ministra.
A polícia e as forças de segurança de elite responderam com força. A ala estudantil do partido no poder também se juntou ao ataque, o que agravou ainda mais a situação.
Nas 72 horas seguintes, o país testemunhou confrontos violentos, um incêndio do edifício da televisão nacional, uma fuga de centenas de prisioneiros e mais de 100 mortes.
Todos esses acontecimentos culminaram com a queda da primeira-ministra Sheikh Hasina.
Os estudantes de Bangladesh, provenientes de instituições públicas e privadas, conseguiram abalar a mulher mais poderosa do país — algo que nunca havia acontecido nos últimos 15 anos.