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Literatura chinesa no Brasil: a ponte necessária para o brasileiro compreender melhor a China

abr 24, 2023 #China, #Unesp, #Unicamp
Portuguese.xinhuanet.com

Por Alessandra S. Brites

Rio de Janeiro,  (Xinhua) — Por ocasião do Dia Internacional da Língua Chinesa, que a ONU cunhou como 20 de abril, a Xinhua buscou saber um pouco mais sobre a presença da literatura chinesa no Brasil e quais as perspectivas desse mercado. Entrevistamos tradutores brasileiros e chineses que fazem tradução direta chinês-português e ouvimos editoras como a paulistana Estação Liberdade, que já lançou obras chinesas por aqui.

No conjunto, os profissionais concluem que muito ainda precisa ser realizado no setor, mas que há grandes possibilidades para a troca de títulos literários entre China e Brasil e que a literatura, sem dúvida nenhuma, é o meio mais indicado de conhecer a história e a cultura de ambos os países de forma mais profunda e real, tão necessária para uma aproximação entre os dois povos.

Conforme o professor de mandarim e tradutor chinês-português, Rud Eric Paixão, a literatura tem em comum o fato de ser um espelho da cultura em que ela é produzida. “Toda cultura reflete vivências das pessoas, e essas vivências elas pertencem a um momento histórico específico, a uma cultura específica e a uma situação específica. Por isso, mesmo que nós pertencemos a países tão diferentes, com histórias tão distintas, nós conseguimos ler as obras antigas e atuais de ambos os países e sentir uma identificação, pois são experiências essencialmente humanas.”

Para o professor de chinês, tradutor da obra Ervas Daninhas, de Lu Xun, publicada no Brasil pela editora Aboio, construir uma relação mais próxima do brasileiro com a literatura chinesa tornará possível ver a China para além da superficialidade. “Uma grande parte da população brasileira hoje não tem noção do que é a China, ou do que foi a China no século 20. Eu conheci pessoas extremamente interessadas na capacidade que o Lu Xun teve de escrever sobre os ataques à cidade de Pequim, a invasão dos japoneses na China, o medo que ele tinha de morrer, o medo que ele tinha de estar ficando velho e ir para a guerra. Nós apenas sabemos que a China teve conflitos no século 20 da perspectiva de um professor, ou de um historiador, que normalmente não vão enfocar a questão puramente humana como o medo de um bombardeio, por exemplo”, salientou.

Outra questão preocupante para ambos os especialistas é a falta de tradutores que trabalhem com traduções diretas do chinês, resultando em uma dependência do mercado literário brasileiro para traduções indiretas, geralmente feitas a partir do inglês ou do francês. “Muita coisa se perde na tradução indireta, muito mais do que na tradução direta, que já precisa fazer adaptações em vários casos. As traduções indiretas do inglês ou do francês acabam trazendo ao público brasileiro a forma de entender e ver a obra e a cultura chinesa desses países”, explicou Rud Paixão.

Segundo Calebe Guerra, a visão eurocentrista de ver a China não é um rumo que o mercado brasileiro deva seguir. “Nós podemos usar os livros traduzidos pelos europeus, ou o que outras nações já escreveram sobre China, mas sempre tentando criar uma ideia independente sobre o país, uma ideia nossa. Muitas vezes, boa parte do mundo editorial só aceita autores chineses já testados no Ocidente. Porém, o sucesso da tradução de uma obra pode ser um sucesso instantâneo, ou não. De uma forma, ou de outra, o editor precisa ter o desejo e a curiosidade pelo novo”, disse.

De acordo com o diretor da editora Estação Liberdade, Angel Bojadsen, há grande curiosidade do público brasileiro pelas obras chinesas. “No entanto, há certa confusão no mercado por conta de vários autores publicados aqui serem de origem chinesa, mas vivendo fora da China há tempos. Nesse sentido é difícil determiná-los como sendo literatura chinesa. Alguns escrevem em inglês faz tempo. De nossa parte, sempre em traduções do mandarim, tivemos muito boa recepção. Há grande curiosidade pelo que se escreve nesse país imenso, e as temáticas são bem diversas das nossas”, explicou.

Sobre a falta de tradutores profissionais para chinês-português, a professora pesquisadora da língua e cultura chinesas do Instituto Confúcio na Unesp Verena Veludo, tradutora de obras infanto-juvenis como A Menina que Amava Plantas, lançada pela editora Cai Cai, é tácita: “A primeira coisa é formar os tradutores. O Instituto Confúcio, onde sou professora há seis anos, tem esse projeto de realmente formar profissionais que vão traduzir essas obras diretamente da língua chinesa, mas muito trabalho, muito estudo precisa ainda ser feito, e tudo depende também das pessoas quererem percorrer este caminho. Mas principalmente precisamos de mais ações de fomento para a tradução de obras por parte dos próprios governos chinês e brasileiro. Seria bom que eles pudessem incentivar e dar mais subsídios para que mais obras possam ser traduzidas diretamente do chinês para o português e o contrário também”, enfatizou. Conforme ela, a China já tem 30 universidades que oferecem graduação de português há muito tempo. “Porém é importante trabalhar com os tradutores locais, até porque existe o português de Portugal e de outros países, mas o português do Brasil é muito diferente”, explicou.

A professora e tradutora Peggy Yu, com mestrado na Unicamp, segue a mesma linha de pensamento. “É preciso incentivar o estudo da língua chinesa no Brasil e a criação de cursos da tradução chinês-português para formar tradutores, preparadores e revisores capacitados para fazer a tradução editorial. Acho que seria uma iniciativa interessante ter esses programas para inserir melhor esses profissionais no mercado editorial brasileiro, ampliando o número de obras chinesas traduzidas”. Outra iniciativa é o estabelecimento de parceria entre editoras chinesas e brasileiras, públicas ou privadas, para facilitar o acesso a obras originais a serem publicadas no Brasil”, salientou. Rud Erik Paixão acrescenta a essa preocupação a falta de cursos melhores nos níveis intermediário e avançado no estudo do chinês no Brasil. “Quando o estudante sai do nível básico, ele não encontra bons cursos em nível intermediário e avançado”, relatou.

Para o diretor chinês do Instituto Confúcio na Unicamp Gao Qinxiang, quanto mais profundo for o intercâmbio e a cooperação entre China e Brasil, principalmente o intercâmbio de pessoas entre os dois países, naturalmente aumentará o número de obras traduzidas no mercado brasileiro. “O aumento do intercâmbio direto entre os círculos literários, acadêmicos e editoriais dos dois países desempenhará um papel muito bom. Grande parte das excelentes obras clássicas chinesas em português, que podem ser lidas no Brasil, são resultado da cooperação entre acadêmicos, universitários e editoras de ambos os lados.”

Conforme o mestre e doutorando em Estudos da Tradução Cesar Matiusso, o Brasil precisa entrar mais em contato com o que tem sido produzido na China. “Os editores brasileiros e as pessoas que definem quais obras terão seus direitos comprados e que serão traduzidas e lançadas no mercado brasileiro precisam criar um contato direto e independente. Eu acredito que isso pode ser feito por meio de feiras literárias, eventos culturais e iniciativas que procurem reunir os escritores das novas gerações dos dois países e os demais atores do mercado editorial”, disse.

Por fim, de forma geral, os entrevistados acreditam que apesar da distância geográfica e das diferenças consideráveis entre a história e a cultura da China e do Brasil, é possível encontrar semelhanças entre ambos os países. “Acho que uma das semelhanças que posso dizer é a busca pela identidade. O que é ser um chinês no contexto clássico milenar e na atual realidade? E o que é ser um brasileiro no contexto de colonização e no mundo atual? Acho que ambas as literaturas discutem bastante a ideia da identidade do povo”, argumentou a professora e tradutora Peggy Yu, nascida em Taiwan. Conforme Rud Eric Paixão: “O Brasil é um país forjado do resultado de uma invasão e a China contemporânea é o resultado de uma resistência à invasão, então entre estas duas histórias há pontos em comum também”.

De acordo com Calebe Guerra, o presente momento histórico e o passado mais recente de ambos os países confluem para auxiliar na aproximação de China e Brasil. “Na literatura, eu acho que estamos em um período histórico que o destino reservou para que algo fosse feito. No decorrer do século 20 inteiro e no começo do século 21, nós estamos tentando entender o que aconteceu conosco, estamos tentando resolver os problemas que foram criados pela política internacional do século 19 até os dias de hoje”, explicou.

Segundo ele, a literatura chinesa desse período vem ao encontro de um mundo que não é completamente desconhecido, ou inacessível para o brasileiro e pode abrir portas para obras chinesas de outros períodos, assim como gêneros literários como o infanto-juvenil e o da ficção científica. “Há uma ponte que eu posso me identificar com as questões que a China está passando e que, de alguma forma, nós também vivemos. No Brasil, posso falar que nós estamos tentando nos resolver como país, como nação, e a literatura chinesa pode ser uma grande fonte de inspiração nesse sentido, para conseguirmos ver o mundo de uma forma mais independente através do ponto de vista de outro povo que também está tentando ver o mundo desta forma”, concluiu.

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