Quando apoiou abertamente a candidatura de Arthur Lira (PP-AL) à reeleição na presidência da Câmara dos Deputados, o governo Lula (PT) calculava que teria de lidar com o parlamentar no comando da Casa durante 2 dos 4 anos do mandato presidencial.
Pelos últimos acontecimentos, como aponta uma velha raposa do Centrão, parece que o governo não se preparou para esses 2 primeiros anos, só para os outros 2, quando Lira não estiver mais na presidência.
Pior: o governo esquece de que a sucessão de Lira vai depender do humor dos deputados com o governo (leia-se: atendimento a emendas, cargos e outras agendas). Ou seja, o governo pode até se livrar de Lira, mas o Centrão – do qual o presidente da Câmara é um dos líderes – não vai a lugar algum.
Um eventual rompimento com Lira desperta em petistas mais pragmáticos a memória óbvia traumática da relação entre a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (então no MDB, hoje no PTB).
Quando no comando da Casa, Cunha retaliou o governo após o PT votar a favor de sua cassação no Conselho de Ética, e foi responsável por andamento às chamadas pautas-bomba para o orçamento do governo e ao processo de impeachment de Dilma.
Lula, diferentemente de Dilma, sempre foi visto como um articulador político hábil e exitoso. Neste terceiro mandato, tem deixado a desejar: promete “entrar em campo” nas negociações, mas deixa para o futuro – para depois de uma viagem ou compromisso internacional- incluindo afagos em ditadores como Maduro.
“Lula não está fazendo política básica. A gente nesse caos e ele recebendo [Nicolás] Maduro”, diz um aliado do presidente da Câmara, citando o encontro com o presidente venezuelano.
Alguns aliados do petista alegam que Lula não é Dilma. Outros – mais pragmáticos – concordam, mas ressalvam que também não é o mesmo Lula de 2002. Aí estaria a dificuldade de ajuste na relação com o Congresso.
No Planalto, a resistência do Congresso é vista como pressão de Lira e do Centrão para derrubar os ministros – e, de fato, há um interesse do grupo numa reforma ministerial para “começar do zero” o governo – e retomar o controle do orçamento da União, o que o Planalto já avisou que não vai acontecer. Além disso, avaliam que Lira quer retomar protagonismo inédito que teve com orçamento secreto- e dizem que isso está fora de cogitação. Portanto, qual a solução?
Nos bastidores, Lira tem avisado que, se o Planalto decidir entrar em rota de colisão, não haverá volta atrás, e que um eventual rompimento depende exclusivamente do governo.
No governo, uma ala, principalmente da Fazenda, tenta acalmar os ânimos. Outra, porém, mais ligada ao PT prefere pagar para ver mesmo com o fantasma da relação Cunha-Dilma.
Lira e canal direto com Lula
O presidente da Câmara, que no início do governo esperava ter interlocução direta como Lula, hoje só tem esse canal como Ministério da Fazenda, e considera articulação política pouco exitosa, com críticas principalmente à Casa Civil, chefiada por Rui Costa (PT), que ignora como canal de negociação.
Lira repete desde o começo nos bastidores que iria ajudar o governo nas pautas de interesse do Brasil, como o arcabouço fiscal – mas que o resto dependeria muito da articulação política do governo, que ele considera devagar quase parando.
Na visão do presidente da Câmara, o governo repete erros e os deputados estão cansados de não serem ouvidos – leia-se: atendidos em emendas, principalmente. A interlocutores, Lira diz que “matar leão por dia é uma obrigação” mas que “matar o mesmo leão todo dia é burrice”.
Aos líderes, o presidente da Câmara também começou a dizer que o governo acha que Lula ganhou a eleição quando na verdade, foi Jair Bolsonaro que perdeu.
Lira também vê movimentos do governo para, quando há derrotas do governo na Câmara, colocá-lo perante a opinião pública como um chantagista, e para beneficiar aliados, como o senador Renan Calheiros (MDB-AL), seu inimigo em Alagoas.
Na noite de terça (30), inclusive, o presidente da Câmara saiu a público para negar que tenha pedido a demissão de Renan Filho, filho do adversário, do cargo de ministro dos Transportes.
Procurado pelo blog, o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, negou que Lira tenha feito essa solicitação “Esse pedido nunca chegou a mim nem a Lula”.
A base que existe, hoje, não é de Lula, e sim de Lira, e isso fica evidente na derrota sofrida pelo governo na votação do projeto de lei que estabelece um marco temporal para demarcação de terras indígenas, na terça (30), e nas mudanças e na demora para a votação da medida provisória que estabeleceu a organização dos ministérios do atual governo. Nos bastidores da Câmara, diz-se que o L que os deputados fazem com a mão não é de Lula, e sim de Lira.
Uma das estratégias do governo para contornar o poder do presidente da Câmara é ampliar uma base do B, aglutinando partidos como PSD e MDB – que têm ministérios no governo Lula – e outros para garantir uma maioria simples constante para as votações. Mas isso também tem um preço