Desconfiada que o filho pudesse ser vítima de maus-tratos, mãe usou tablet para gravar o dia do menino, e registrou os gritos da professora
O sexto sentido de uma mãe, após perceber alterações no comportamento do filho de 11 anos – que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA), – acabou flagrando momentos de terror e humilhações vividos por alunos da Escola Classe nº 8, no Guará. Uma professora foi gravada, aos berros, ameaçando e depreciando os pequenos estudantes, em uma sala composta por alunos especiais.
A mãe da vítima contou que começou a desconfiar que havia algo errado quando o filho, que sempre gostou da escola, passou a não querer ir mais às aulas, a esconder os materiais escolares e a repetir frases como “menino chato” e “vai ficar de castigo”.
“No horário de ir para aula, ele fica se mordendo e se automutilando”, relembra. A família também percebeu uma regressão na aprendizagem do menino. A avó da criança chegou a fazer uma visita à escola classe, para verificar o método de ensino adotado.
A mulher contou, também, que o filho voltava todos os dias para casa sujo de urina e fezes. Foi a partir destes sinais que a mãe decidiu colocar um tablet gravando o dia do garoto, desde o transporte escolar até a volta para casa. Os áudios gravados são trechos de três dias (5, 9 e 12 de junho), que revelam o comportamento abusivo da professora Samantha Christine Soares Gurgel, 43 anos, não só com o menino, mas com os demais alunos da classe.
“O tablet ficava dentro de um saquinho, enrolado em um casaco e dentro da mochila. Ainda sim, os gritos parecem que estão no ouvido. Imagina uma criança que é especial ouvindo essas gritarias”, revoltou a mãe.
Na gravação, a servidora da Secretaria de Educação chega a dizer às crianças para não começar com “essa loucura”. Gritando, ela ameaça que eles vão “ver o que é bom para tosse”‘. Os destemperos da educadora são direcionados a uma turma que tem apenas quatro crianças. Duas professoras são responsáveis pelos alunos.
Ouça:
No áudio, a professora questiona se a criança autista, que tem dificuldades de comunicação, estaria morta. “Tá morto? Mexe a boca para falar”, ouve-se no áudio. Choros de crianças também são claramente perceptíveis nas gravações.
Denúncias
Com o material do flagra em mãos, a família registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), que investiga a denúncia contra a professora, por maus-tratos. Um registro também foi feito no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), ao Conselho Tutelar e diretamente ao gabinete da secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, em e-mail enviado por meio da ouvidoria do Governo do Distrito Federal (GDF). A pasta confirmou o recebimento da denúncia.
“Na gravação, ficavam as duas professoras conversando, e até coisas impróprias para a criança, e quando uma faz alguma coisa, elas gritam”, detalha a mãe, que tem mais de 15 horas gravadas. “Elas tratam as crianças como se fossem cadeiras”, reclama.
Antes de acionar os órgãos de investigação, e a própria Secretaria de Educação do DF (SEEDF), a família procurou a diretoria da escola, que alegou que a instituição não “poderia fazer nada”. “Com o rebuliço que deu, a professora fez um boletim de ocorrência contra mim e minha mãe por desacato, e conseguiu um atestado de 20 dias”.
Na delegacia, a professora se defendeu dizendo que é servidora concursada e que trabalha com alunos especiais há quatro anos. Segundo depoimento à polícia, ela sempre “manteve o melhor nível para com seus alunos”. Samantha relatou, ainda, que foi chamada de incompetente e safada após a gravação. De acordo com a professora, os insultos teriam ocorrido dentro da escola. Alegando estar com problemas de saúde, Samantha se afastou das funções e entrou de licença médica.
O Metrópoles tentou ouvir as duas professoras, mas não conseguiu contato com elas até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para possíveis manifestações.
“Meu filho está traumatizado, é meu filho único. A gente aqui em casa trata tanto amor, com uma comunicação não agressiva, ele indo para escola e recebendo esse tratamento”, finalizou a mãe, indignada, à espera por justiça.
Veja a nota da Secretaria de Educação na íntegra:
A Secretaria de Educação do DF informa que recebeu a demanda por meio da Ouvidoria da Pasta, que já realiza as tramitações dentro do prazo legal estabelecido. A Pasta informa ainda que o caso será devidamente apurado pela Corregedoria.
De acordo com a Coordenação Regional de Ensino do Guará, a referida professora está afastada e um novo professor já se encontra em sala de aula.
A SEEDF reforça o compromisso e empenho na busca por elementos que permitam o esclarecimento dos fatos, bem como todo o suporte para os estudantes.
Questionada sobre o motivo do afastamento, a Secretaria de Educação respondeu com a seguinte nota:
A Secretaria de Educação do DF informa que a professora encontra-se afastada por motivo de licença médica, mas o caso já está sendo apurado pela Corregedoria, que adotará todas as medidas cabíveis, podendo, inclusive, no curso da apuração, promover o afastamento da servidora, nos termos da Lei Complementar nº 840/2011.