A vida após a morte é relatada de diversas formas, por diferentes culturas, religiões e linhas de pensamento. Mas, para além de crenças, fenômenos ligados à permanência do “eu” mesmo após o fim da atividade cerebral são investigados a fundo pela ciência há, pelo menos, 150 anos.
Os resultados dessas pesquisas, apesar de sugestivos, apontam que, sim, a consciência vai além da morte do cérebro. É o que explica o professor de psiquiatria Alexander Moreira-Almeida, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), um dos autores do livro “Ciência da Vida Após a Morte”, escrito por cientistas de todo o mundo que compilaram evidências sobre uma das questões mais desafiadoras e difundidas ao longo dos tempos (saiba mais ao final da reportagem).
Segundo ele, há quatro tipos de evidências, ou fenômenos, estudados pelos cientistas:
- Experiências de quase-morte (EQMs);
- Experiências mediúnicas;
- Memórias de vidas passadas;
- Aparições.
Alexander explica que, para cada evidência, há casos que foram analisados e publicados em revistas científicas, no intuito de tentar entender o porquê de elas acontecerem.
“Não quer dizer que você vai aceitar qualquer coisa, mas a gente tem que ter a mente aberta para poder estudar os fenômenos e ver as evidências. O que nós estamos fazendo é convidar as pessoas a conhecerem as evidências para formarem a sua própria opinião. Uma opinião bem embasada e sem preconceitos, nem a favor, nem contra”, diz o professor.
Os fenômenos: caso a caso
Imagem mostra silhuetas embaçadas — Foto: Unsplash
- Experiência de quase-morte (EQM)
Segundo o professor Alexander Moreira-Almeida, um dos casos clássicos de experiência de quase morte foi publicado na The Lancet, uma das principais revistas médicas do mundo.
No artigo, um cardiologista holandês relata um estudo que fez ao seguir pacientes que tiveram parada cardíaca. Ele descreve o caso de um paciente que já havia chegado ao hospital, praticamente, morto.
Os médicos estavam quase desistindo de reanimá-lo, quando seu coração voltou a pulsar. O paciente ainda ficou um tempo em coma após a reanimação.
“Quando ele saiu do coma e foi para o quarto, ele vê o enfermeiro e fala: ‘Você sabe onde está a minha dentadura’. O enfermeiro olha assustado e o paciente descreve o dia em que ele teve a parada cardíaca e viu o enfermeiro colocando a dentadura dentro de um potinho na segunda gaveta. Quando eles procuram, ela realmente estava lá. Mas como ele sabia, se já havia chegado ao hospital morto?”, relata o professor.
Alexander explica que, nesse caso, há a possibilidade do paciente ter fantasiado, mas que isso é pouco provável, dada a riqueza de detalhes narrada por ele. “Outra possibilidade é de que a própria consciência pode continuar existindo mesmo se o cérebro não está mais funcionando”, diz o psiquiatra.
- Experiência mediúnica
Segundo o dicionário, “mediúnico” é descrito como algo próprio dos médiuns, das pessoas que, de acordo com algumas crenças religiosas, têm capacidade para se comunicar com os espíritos.
Um exemplo de experiência mediúnica, estudada por cientistas, foi publicada em um artigo em 2022. O professor Alexander foi um dos que analisaram o caso.
“Falamos com uma família em que o filho havia morrido de câncer aos 11 anos. Procuramos um médium de outra cidade para que ele fizesse o contato entre os familiares e o menino. Fizemos uma pesquisa controlada, filmamos tudo o que estava acontecendo”, conta Alexander.
Ele lembra que, enquanto o médium supostamente fazia contato com o menino e escrevia a carta reproduzindo as falas dele, a criança fez uma piada com a senha da internet da família. Uma informação que não teria como ter sido acessada pelo médium previamente, já que os pesquisadores monitoravam o contato dele com os familiares.
- Memórias de vidas passadas
O professor diz que há relatos comuns, em sua maioria de crianças de 2 a 4 anos, quando estão aprendendo a falar, que começam a descrever o que faziam “em vidas passadas”. Segundo ele, há mais 3 mil casos do tipo na literatura internacional.
Um deles foi com uma criança do Sri Lanka. Alexander explica que uma menina de 3 anos do país asiático estava vendo televisão, quando passaram imagens de um templo famoso do país.
“Então ela começa a falar que já morou naquela região, atrás de um rio que ficava atrás daquele tempo e que ela fazia incenso. A menina falou ainda que andava de bicicleta e que um carro grande havia passado por cima dela”, conta.
Achando estranho, a família decidiu investigar. Foi quando descobriram que, de fato, anos atrás, havia uma loja de incenso atrás do templo e que um dos funcionários que fazia entregas de bicicleta havia morrido atropelado por um caminhão.
- Aparições
Alexander explica que casos de “aparições” ocorrem quando uma pessoa que já morreu aparece para alguém que está vivo. Um caso estudado academicamente é de um senhor, dos Estados Unidos, que havia deserdado dois filhos em um testamento, mas, tempos depois, mudou de ideia e decidiu fazer uma nova repartição.
A nova versão do testamento, no entanto, ficou guardada e não deu tempo de registrar em cartório antes do falecimento do homem.
“Alguns anos depois da morte, ele aparece para um dos filhos e avisa que o testamento está no bolso de seu sobretudo. O filho, assustado, decide procurar o sobretudo e lá encontra um bilhete falando que o testamento estava em uma bíblia antiga do falecido”, conta o professor.
Na bíblia, eles encontram o testamento. O caso foi levado à justiça norte-americana e dez testemunhas confirmaram que a caligrafia realmente era do homem falecido.
Cérebro e mente: dependentes ou independentes?
Reprodução de cérebro, em imagem de arquivo — Foto: Unsplash
O professor Alexander explica que, nas pesquisas, cientistas e filósofos de todo o mundo tentam investigar um problema, ainda sem solução, chamado de “problema mente cérebro“. Nele, a grande questão é:
- Se o cérebro “produz” a mente e, quando o cérebro morre, a mente acaba
- Ou se o cérebro seria apenas um instrumento para a manifestação da mente
Para exemplificar, Alexander cita as chamadas de vídeo, feitas pelo computador ou pelo celular.
“Você está me vendo pela tela, mas eu não estou dentro do computador ou do celular. Se você estragar a tela, você não vai me ver, mas você não está me destruindo. É mais ou menos essa a ideia do cérebro e da mente”, aponta.
O professor explica que há uma ideia equivocada das pessoas de que a ciência já teria provado que o cérebro gera a mente. “Mas na verdade não. Essa é uma questão em aberto na ciência“, diz.
‘Humildade intelectual’
Todos os casos acima foram estudados academicamente por cientistas e estão no livro “Ciência da Vida Após a Morte”. Nele, o objetivo principal é apresentar para o público o que já existe de estudos sobre o tema, com argumentos e explicações possíveis para os fenômenos.
“Eu costumo dizer muito que a gente tem que ter humildade intelectual. O cientista tem que ser humilde, é muito difícil dizer tudo o que existe no universo, tudo o que pode ou não acontecer. Para se ter uma ideia, da matéria que existe no universo, nós só conhecemos 5%“, diz Alexander.
Ele explica que, independentemente do estudo, podem haver casos de fraudes e de pessoas que inventaram ou fantasiaram situações. “Isso é levado em consideração nas pesquisas”, diz.
“No entanto, questões mais convencionais, como fraude ou acaso, elas podem explicar só uma parcela dos fenômenos. Mas quando você estuda com mais detalhe e com mais rigor, elas não dão conta de explicar o conjunto mais robusto de evidências“, pontua o pesquisador.
Lançamento do livro ‘Ciência da Vida Após a Morte’ em Brasília
- 🗓️ Quando: segunda-feira (11)
- ⏰ Horário: 18h
- 📍 Onde: Livraria Travessa, SGCV Sul, Lote 22 – 4 A, Casa Park Shopping
- Entrada gratuita