A ascensão da China como uma potência tecnológica nas últimas décadas, impulsionada por um intenso processo de digitalização, oferece valiosas lições para o Brasil no que diz respeito à inovação tecnológica, prevenção à fraude e geração de negócios.
A dinâmica chinesa, marcada por uma rápida adoção de tecnologias e a criação de um amplo ecossistema de cooperação corporativa, baseado no consumo conjunto de dados, redefiniu a experiência da Economia Compartilhada.
Nesse contexto, as empresas de lá não se limitam a oferecer produtos, mas também serviços direcionados às necessidades dos clientes. A colaboração entre organizações é fortalecida, e o acesso aos clientes é compartilhado para proporcionar produtos e serviços cada vez mais personalizados.
No final do ano passado, esse ambiente notável foi explorado por especialistas da Unico, empresa especializada em identidade digital, e alguns de seus clientes, durante uma viagem que chamamos de “Missão China”. A iniciativa tinha o objetivo de compreender como as inovações do país poderiam ser incorporadas aos negócios brasileiros. A ênfase na alfabetização tecnológica da população e na cooperação empresarial, apoiados por ações estruturadas do governo, se mostrou crucial para a construção de um ecossistema forte de negócios na China — algo que o Brasil busca replicar.
O governo chinês desempenhou um papel fundamental ao dar acesso à população a recursos tecnológicos de ponta, orientando o cotidiano por meio dos smartphones. Essa visão cultural permeou os meios de pagamento, com autenticação protegida por técnicas de biometria. No entanto, a replicação fidedigna desse modelo no Brasil enfrenta desafios, como divergências nos planos econômicos a longo prazo e a falta de relações de cooperação entre as empresas atuantes no país. Isso sem esquecer os traços culturais que definem o comportamento do consumidor e forma de relacionamento com esses serviços.
Nos últimos anos, a China tem se destacado como uma potência na inovação tecnológica, especialmente no que diz respeito aos meios de pagamento digitais e à prevenção à fraude. Observar de perto esse cenário, durante a “Missão China”, proporcionou insights valiosos sobre como o Brasil pode trilhar um caminho semelhante, adaptando essas lições ao nosso contexto.
A resistência dos consumidores brasileiros à fricção que os métodos de autenticação oferecem, mesmo os tradicionais, como senhas e tokens, sempre foi um desafio. No entanto, a pandemia forçou uma digitalização acelerada, atraindo novos usuários para o mundo digital e abrindo caminho para métodos mais avançados de identificação, como a biometria facial.
A partir disso, o mercado brasileiro tem se adaptado cada vez mais a esses recursos, especialmente à medida que as gerações mais jovens, familiarizadas com tecnologias baseadas em interação física, ganham protagonismo. Empresas que priorizam a experiência do consumidor já estão investindo na transformação digital, antecipando mudanças significativas na relação dos brasileiros com seus dados e a experiência ao compartilhá-los.
A liderança da China no uso de pagamentos digitais, impulsionada por “super apps” é notável. Os super apps se referem a aplicativos que oferecem uma ampla variedade de serviços e funcionalidades além da sua função principal.
Quase como um grande marketplace de serviços digitais. Esses aplicativos buscam se tornar uma plataforma central para diversas atividades do usuário, proporcionando conveniência e integração em um único ecossistema digital. O foco, claramente, é permear toda a jornada do usuário, oferecendo diversas soluções e facilidades ao longo do uso para mantê-lo fiel ao produto.
Um exemplo é o WeChat, desenvolvido pela Tencent, que começou como um aplicativo de mensagens, mas expandiu suas funcionalidades para incluir serviços como pagamentos móveis, reservas de táxi, compras online, jogos, entretenimento e muito mais. Por meio dele, hoje, os usuários chineses podem realizar uma variedade de tarefas cotidianas sem sair do aplicativo, tornando-o uma parte essencial da vida diária.
O mais interessante é que a Tencent não oferece apenas soluções desenvolvidas por ela dentro do seu superapp. Ela abre o espaço para até mesmo o que consideramos concorrentes estarem ali, a fim de complementar as soluções e tornar mais fluida a interação do usuário.
No contexto brasileiro, ainda não existe um SuperApp consolidado que ofereça uma gama tão extensa de serviços integrados. O mercado de aplicativos no Brasil é mais fragmentado, com diferentes aplicativos para diferentes finalidades, como mensagens, transporte, compras, entre outros. Em grande parte, isso se deve à dificuldade de entendermos que o foco do que construímos precisa estar na solução de problemas e dores do usuário ou consumidor. À medida que tivermos isso em mente, nossa preocupação passará a ser mais em como ajudamos nosso cliente a resolver seus problemas, fidelizando ele conosco através de uma jornada mais fluída e completa.
Embora alguns aplicativos tenham integrado serviços adicionais ao longo do tempo, a convergência para um SuperApp completo ainda não ocorreu de maneira tão marcante quanto na China. O grande desafio é e será por um bom tempo a capacidade de construirmos essa jornada completa que permeia as necessidades do usuário em contexto tão amplo.
A China também se tornou um exemplo prático no combate às fraudes, sendo uma sociedade totalmente digitalizada. A discussão sobre como equilibrar inovação e segurança foi central durante a expedição. O contexto chinês, com seus avanços econômicos e disruptivos, ofereceu uma visão diferenciada sobre como o Brasil pode avançar na adoção de inovações tecnológicas, especialmente na prevenção à fraude e identificação biométrica. É necessário educarmos os usuários e reagirmos às constantes reinvenções dos métodos de golpes. Antecipar os riscos e problemas para proteger o usuário é essencial.
Os super apps chineses, já mencionados, foram fundamentais na criação de ecossistemas inovadores e na agilidade nos processos de pagamento. Empresas brasileiras, como a fintech NEON, buscam aplicar tecnologias de identificação biométrica para proporcionar experiências mais seguras aos usuários.
A experiência chinesa evidenciou que inovação tecnológica e prevenção à fraude podem, e devem, coexistir, impulsionando o mercado e proporcionando segurança aos consumidores. O desafio para o Brasil está em adaptar esse modelo ao seu contexto, superando barreiras culturais, reduzindo a fricção e promovendo a cooperação entre empresas.
As diferenças de UX (User Experience) entre a China e o Brasil podem ser atribuídas a vários fatores culturais, sociais e tecnológicos. Na China, a rápida adoção de tecnologias móveis e o forte apoio governamental ao desenvolvimento digital contribuíram para a ascensão dos super apps. A cultura de pagamento móvel é mais amplamente aceita na China, facilitando a expansão de funcionalidades de pagamento dentro de um aplicativo.
Como no contexto deles o salto do pagamento em moeda para o digital foi muito grande, a necessidade de investimento na educação digital, desenho de soluções que se adequem e direcionam para a melhor forma de uso foi essencial. Outro ponto importante é enxergar que eles aprenderam ao longo do tempo a necessidade de adaptar suas estratégias e a experiência oferecida para cada grupo, persona ou mercado. Isso fica evidente quando enxergamos equipes de profissionais de design vindo de outros mercados focados em construir experiências personalizadas a cada tipo de usuário, como por exemplo o caso do Tik Tok, da Byte Dance.
No Brasil, a infraestrutura digital e a inclusão financeira ainda estão em desenvolvimento, o que pode impactar a adoção de determinadas funcionalidades de super apps. Além disso, as diferenças culturais e regulatórias também desempenham um papel na forma como os usuários brasileiros interagem com aplicativos e serviços online.
A “Missão China” foi um passo crucial nesse caminho por ter proporcionado referências valiosas para o desenvolvimento do mercado brasileiro. O futuro promete avanços significativos na autenticação via biometria e na consolidação do Open Finance, impulsionando o país em direção a uma economia mais digital, sem fricção e mais segura.