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Dia da Visibilidade Trans: conheça ‘dicionário secreto’ criado durante ditadura militar para proteger comunidade

jan 28, 2024
Bandeira trans — Foto: Reprodução | Shutterstock

Por Rafael Holanda, g1 DF

Dia da Visibilidade Trans é celebrado nesta segunda-feira (29). Entre a luta pela liberdade e o respeito, a resistência desta comunidade passa também pela construção de um “dicionário secreto” no Brasil, criado durante a ditadura militar, mas que segue vivo até os dias atuais.

O Pajubá contém gírias em um dialeto quase que exclusivo da comunidade LGBTQIA+. São expressões criadas, ou adaptadas, que incorporam palavras de origem de grupos étnico-linguísticos africanos, como nagô e iorubá (veja exemplos mais abaixo).

‘Código de linguagem’ 🏳️‍🌈

 

Para o pesquisador do Núcleo da Diversidade Sexual e de Gênero da Universidade de Brasília (UnB), João Vitor Gonçalves, não existe uma definição conceitual para o Pajubá. No entanto, ele pode ser interpretado como um código de linguagem, uma estratégia informal e coloquial da comunidade LGBTQIA+, mais especificamente da comunidade trans e travesti.

“Durante o regime militar vários grupos de minorias sociais, entre eles a comunidade LGBT e, mais especificamente a comunidade trans, sofria repressões diárias e privações de direitos, entre tantos outros episódios infelizes […] O Pajubá nasceu como uma estratégia, como se fosse um código próprio, digamos assim” , explica Gonçalves.

 

O pesquisador lembra que a repressão do governo militar contra essas comunidades era ostensiva, então, eles precisavam ter maneiras de garantir até mesmo a sobrevivênciaSubstituir palavras ou expressões era uma forma de se proteger.

Mais tarde, a comunidade LGBTQIA+ se apropriou do “dicionário”, e o Pajubá virou uma espécie de dialeto.

“Saiu da questão T , do travesti e transexual, para outras identidades de gênero e orientações sexuais, como gays, lésbicas e bissexuais que começaram a adotar o Pajubá”, diz o pesquisador.

 

Pequeno Vocabulário Pajubá Palmense 📚

 

O escritor e pesquisador Paulo Ricardo Aires Rodrigues, autor do ”Pequeno Vocabulário Pajubá Palmense’ – um dos dicionários adotados pela comunidade, publicado em janeiro de 2023 – conta que o livro foi produzido a partir de uma pesquisa de iniciação científica na Universidade Federal do Tocantins (UFT) , com orientação da professora Karylleila dos Santos Andrade.

Para Rodrigues, os direitos da comunidade LGBTQIA+ nem sempre são resguardados por lei. A prova disso, é o número de mortes de pessoas trans.

Como referências para o livro, o pesquisador usou palavras que já existiam na linguagem Pajubá. No entanto, buscou um aprofundamento histórico e sociolinguístico para chegar até a publicação final.

“Vivemos no século XXI e está na hora de quebrar essas amarras históricas. O Pajubá existe e persiste, e iremos além, a caminhada continua”, diz o escritor e pesquisador.

 

Veja o significado de algumas expressões do ‘Pequeno Vocabulário Pajubá Palmense’🔎

 

A

 

  • Acué: dinheiro
  • Alibã: polícia; policial
  • Alice: pessoa que vive em um mundo de fantasias
  • Amapô: mulher
  • Armário: homossexual enrustido
  • Arrasou: admiração em relação a algo de outra pessoa
  • Atender: ficar com alguém, transar
  • Amigue: usado para identificar os amigos gays
  • Abafar o caso: despistar alguém

 

B

 

  • Babadeira: gay ou travesti barraqueiro
  • Babado: novidade
  • Barbie: gay com o corpo bem definido por conta de malhação
  • Berro: expressão usada para algo muito engraçado
  • Bi: diminutivo de bicha
  • Biba: homossexual
  • Bofe: homem másculo
  • Bolacha: lésbica

 

C

 

  • Cacura: gay com mais de 40 anos
  • Carão: fazer pose ou debochar
  • Cagar no maiô: Fazer algo muito errado ou inadequado
  • Cafuçu: homem com peito rústico, simples e bonito
  • Caminhão: lésbica de aparência masculinizada

 

D

 

  • Dar a Elza: roubar, sumir
  • Dar close: dar uma olhada
  • Desaquendar: esquecer, largar
  • Destruidora: pessoa que “arrasa” muito, que está fazendo algo muito bem

 

E

 

  • Entendido(a): gay e lésbica
  • Elza: ladrão ou ladra

 

F

 

  • Fechar: fazer sucesso
  • Flex: o que penetra e é penetrado
  • Fazer a egípcia: desinteressada (o), que não viu, não esteve lá

 

G

 

  • Gongar: falar mal

 

I

 

  • Irene: gay idoso

 

J

 

  • Jaburu: pessoa feia
  • Joaninha: viatura policial

 

L

 

  • Larica: fome
  • Ligar o pisca-alerta: voltar a si, acordar

 

M

 

  • Mala: órgão genital masculino
  • Mana: feminino de mano, brother, amigo

 

N

 

  • Naja: fofoqueiro (a)
  • Neca: pênis
  • Nhaí: cumprimento, oi

 

O

 

  • Operada: transexual
  • Otim: bebida

 

P

 

  • Pagar mico: passar vergonha
  • Passada: chocada, impactada
  • Picumã: peruca, cabeleira, cabelo

 

R

 

  • Racha: mulher

 

S

 

  • Sair do closet: assumir publicamente a sexualidade
  • Sindicato: grupo de homossexuais

 

T

 

  • Truque: mentir, enganar
  • Talibã: policial
  • Tia Cida: AIDS
  • Tombar com a cara: zoar com outro gay

 

U

 

  • Uó: algo desagradável, desprezível, equivocado
  • Urso: homem peludo, gordinho, com aspecto másculo

 

V

 

  • Vitaminado: homem bonito

 

X

 

  • Xoxar: debochar, zoar

 

Z

 

  • Zoraide: pessoa clarividente, esotérica

 

O Pequeno Vocabulário Pajubá está disponível, de graça, na internet. 👉 Clique aqui para acessar

Pajubá foi usado no Enem 👀

Enem 2018 – qual característica dá ao pajubá o status de dialeto?

Em 2018, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), abordou no primeiro dia de provas, uma questão usando termos do Pajubá (veja vídeo acima com a correção da questão).

Enem 2018 - Prova Amarela - Pergunta 31 — Foto: Reprodução

Enem 2018 – Prova Amarela – Pergunta 31 — Foto: Reprodução

O pesquisador do Núcleo da Diversidade Sexual e de Gênero em Direitos Humanos pela UnB, João Vitor Gonçalves, aponta que o Pajubá pode ser visto como uma contribuição da comunidade trans para a comunidade em geral.

“A mensagem principal do Pajubá, em síntese, é que ele é um fruto que nasceu de uma resistência como estratégia de defesa, de evitar riscos à vida, e que conseguiu transpor décadas tendo um significado social muito grande.”

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