O Dia da Visibilidade Trans é celebrado nesta segunda-feira (29). Entre a luta pela liberdade e o respeito, a resistência desta comunidade passa também pela construção de um “dicionário secreto” no Brasil, criado durante a ditadura militar, mas que segue vivo até os dias atuais.
O Pajubá contém gírias em um dialeto quase que exclusivo da comunidade LGBTQIA+. São expressões criadas, ou adaptadas, que incorporam palavras de origem de grupos étnico-linguísticos africanos, como nagô e iorubá (veja exemplos mais abaixo).
‘Código de linguagem’ 🏳️🌈
Para o pesquisador do Núcleo da Diversidade Sexual e de Gênero da Universidade de Brasília (UnB), João Vitor Gonçalves, não existe uma definição conceitual para o Pajubá. No entanto, ele pode ser interpretado como um código de linguagem, uma estratégia informal e coloquial da comunidade LGBTQIA+, mais especificamente da comunidade trans e travesti.
“Durante o regime militar vários grupos de minorias sociais, entre eles a comunidade LGBT e, mais especificamente a comunidade trans, sofria repressões diárias e privações de direitos, entre tantos outros episódios infelizes […] O Pajubá nasceu como uma estratégia, como se fosse um código próprio, digamos assim” , explica Gonçalves.
O pesquisador lembra que a repressão do governo militar contra essas comunidades era ostensiva, então, eles precisavam ter maneiras de garantir até mesmo a sobrevivência. Substituir palavras ou expressões era uma forma de se proteger.
Mais tarde, a comunidade LGBTQIA+ se apropriou do “dicionário”, e o Pajubá virou uma espécie de dialeto.
“Saiu da questão T , do travesti e transexual, para outras identidades de gênero e orientações sexuais, como gays, lésbicas e bissexuais que começaram a adotar o Pajubá”, diz o pesquisador.
Pequeno Vocabulário Pajubá Palmense 📚
O escritor e pesquisador Paulo Ricardo Aires Rodrigues, autor do ”Pequeno Vocabulário Pajubá Palmense’ – um dos dicionários adotados pela comunidade, publicado em janeiro de 2023 – conta que o livro foi produzido a partir de uma pesquisa de iniciação científica na Universidade Federal do Tocantins (UFT) , com orientação da professora Karylleila dos Santos Andrade.
Para Rodrigues, os direitos da comunidade LGBTQIA+ nem sempre são resguardados por lei. A prova disso, é o número de mortes de pessoas trans.
Como referências para o livro, o pesquisador usou palavras que já existiam na linguagem Pajubá. No entanto, buscou um aprofundamento histórico e sociolinguístico para chegar até a publicação final.
“Vivemos no século XXI e está na hora de quebrar essas amarras históricas. O Pajubá existe e persiste, e iremos além, a caminhada continua”, diz o escritor e pesquisador.
Veja o significado de algumas expressões do ‘Pequeno Vocabulário Pajubá Palmense’🔎
A
- Acué: dinheiro
- Alibã: polícia; policial
- Alice: pessoa que vive em um mundo de fantasias
- Amapô: mulher
- Armário: homossexual enrustido
- Arrasou: admiração em relação a algo de outra pessoa
- Atender: ficar com alguém, transar
- Amigue: usado para identificar os amigos gays
- Abafar o caso: despistar alguém
B
- Babadeira: gay ou travesti barraqueiro
- Babado: novidade
- Barbie: gay com o corpo bem definido por conta de malhação
- Berro: expressão usada para algo muito engraçado
- Bi: diminutivo de bicha
- Biba: homossexual
- Bofe: homem másculo
- Bolacha: lésbica
C
- Cacura: gay com mais de 40 anos
- Carão: fazer pose ou debochar
- Cagar no maiô: Fazer algo muito errado ou inadequado
- Cafuçu: homem com peito rústico, simples e bonito
- Caminhão: lésbica de aparência masculinizada
D
- Dar a Elza: roubar, sumir
- Dar close: dar uma olhada
- Desaquendar: esquecer, largar
- Destruidora: pessoa que “arrasa” muito, que está fazendo algo muito bem
E
- Entendido(a): gay e lésbica
- Elza: ladrão ou ladra
F
- Fechar: fazer sucesso
- Flex: o que penetra e é penetrado
- Fazer a egípcia: desinteressada (o), que não viu, não esteve lá
G
- Gongar: falar mal
I
- Irene: gay idoso
J
- Jaburu: pessoa feia
- Joaninha: viatura policial
L
- Larica: fome
- Ligar o pisca-alerta: voltar a si, acordar
M
- Mala: órgão genital masculino
- Mana: feminino de mano, brother, amigo
N
- Naja: fofoqueiro (a)
- Neca: pênis
- Nhaí: cumprimento, oi
O
- Operada: transexual
- Otim: bebida
P
- Pagar mico: passar vergonha
- Passada: chocada, impactada
- Picumã: peruca, cabeleira, cabelo
R
- Racha: mulher
S
- Sair do closet: assumir publicamente a sexualidade
- Sindicato: grupo de homossexuais
T
- Truque: mentir, enganar
- Talibã: policial
- Tia Cida: AIDS
- Tombar com a cara: zoar com outro gay
U
- Uó: algo desagradável, desprezível, equivocado
- Urso: homem peludo, gordinho, com aspecto másculo
V
- Vitaminado: homem bonito
X
- Xoxar: debochar, zoar
Z
- Zoraide: pessoa clarividente, esotérica
O Pequeno Vocabulário Pajubá está disponível, de graça, na internet. 👉 Clique aqui para acessar
Pajubá foi usado no Enem 👀
Em 2018, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), abordou no primeiro dia de provas, uma questão usando termos do Pajubá (veja vídeo acima com a correção da questão).
Enem 2018 – Prova Amarela – Pergunta 31 — Foto: Reprodução
O pesquisador do Núcleo da Diversidade Sexual e de Gênero em Direitos Humanos pela UnB, João Vitor Gonçalves, aponta que o Pajubá pode ser visto como uma contribuição da comunidade trans para a comunidade em geral.
“A mensagem principal do Pajubá, em síntese, é que ele é um fruto que nasceu de uma resistência como estratégia de defesa, de evitar riscos à vida, e que conseguiu transpor décadas tendo um significado social muito grande.”