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Com violência em táxis e aplicativos, comunidade LGBTQIAP+ tem locomoção restrita

Bruna Benevides, secretária de Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). - (crédito: Fotos: Arquivo Pessoal)

Violência se alastra também nas viagens de táxi e por aplicativo, e deixa a comunidade LGBTQIAP com as alternativas para se locomover restritas

AB
Aline Brito
PG
Pedro Grigori e Talita de Souza

 

A violência que atinge a comunidade LGBTQIAP no transporte público reverbera também em espaços considerados mais seguros pelos usuários. Levantamento feito pelo Correio a partir de dados disponíveis no painel da Ouvidoria Nacional do Ministério dos Direitos Humanos identificou 46 casos de violação contra membros da comunidade LGBTQIAP dentro de táxis ou de transportes por aplicativo entre janeiro de 2021 e junho de 2023.

Nos registros, não há sequer um caso em que o motorista responsável pela agressão seja do sexo feminino, enquanto, no banco do passageiro, mais de 78% das vítimas são mulheres. Na última reportagem da série Viagem cancelada, o Correio mostra o que membros da comunidade LGBTQIAP enfrentam ao ficarem dentro de um carro com motoristas que dizem que ali “quem manda são eles”.

Traço controverso

Táxis ou carros solicitados por aplicativo também tornaram-se ambiente para um outro crime cruel contra a comunidade LGBTQIAP : o assédio sexual, que ocorre principalmente contra mulheres trans e travestis. Os casos evidenciam um traço controverso do Brasil: o país que mais mata pessoas trans é o maior consumidor de pornografia com travestis.

Desde 2016, quando sites de conteúdo erótico como  começaram a divulgar rankings de consumo, o Brasil aparece como o país que mais consome pornografia com transexuais. Os dois dados estão intimamente relacionados, explica Bruna Benevides, secretária de Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

“Isso demonstra, de certa forma, os reflexos de uma sociedade que é sexualmente reprimida. Pessoas que estão dentro de uma formação tóxica de masculinidade e de uma composição de família heteronormativa como único padrão possível. Elas acabam sublimando os seus desejos e extravasando na hora que encontram um corpo transexual”, explica Bruna.

Um dado recente mostra que o grau dessa violência sexual segue em crescimento. De acordo com o novo Anuário da Segurança Pública do Brasil, divulgado na última semana, os registros de estupro contra membros da comunidade LGBTQIAP tiveram um aumento de 126% entre 2018 e 2022, chegando ao número de 199 no ano passado. “Temos pessoas que tentam nos violar, nos violentar e chegam até mesmo a nos assassinar como uma forma de talvez se ver livre do seu próprio desejo”, diz Bruna sobre os casos.

 

Desrespeito constante

Produtora cultural, Carol Ribeiro, 32 anos, teve de aprender a lidar com as insistentes cantadas e os pedidos de interação sexual de motoristas de transporte por aplicativo. Servidora em um órgão público, a moradora de Planaltina escolheu a modalidade de locomoção individual por ser mais prática: ao acionar o serviço no horário em que precisa, ela evita o desgaste de esperar um ônibus por um grande período de tempo em horários comerciais.

No entanto, Carol, uma mulher trans, não esperava que o uso de um serviço pago de transporte a obrigaria a manter-se em posição defensiva durante as viagens de mais de 50km entre Planaltina e o Plano Piloto, onde trabalha. Usuária diária do transporte por aplicativo, ela coleciona histórias de assédio “de todos os tipos que se pode imaginar”, pontua. “Desde o cara falar algo de conotação sexual sobre minha roupa até perguntar quanto eu cobro pelo programa.”

Certa vez, Carol se deparou com um pedido inusitado: um motorista pediu para ver o pé dela e tentou “barganhar” ao dizer que, se ela mostrasse, não cobraria a viagem. “Logo quando ele chegou para me buscar, insistiu muito para que eu sentasse no banco da frente, e eu não costumo ir na frente, até em carro de amigos, eu não gosto. Então, neguei. Depois, ele começou a falar que queria muito ver meu pé, que ele tinha fetiche”, lembra. Em outro momento, enquanto estava a caminho de uma consulta no dentista, um motorista começou a perguntar se a produtora cultural fazia “programa” e quanto ela cobrava.

Carol evita discussões com os motoristas por segurança mas lembra que, em uma das vezes, revidou as falas ofensivas. A caminho do serviço, estava com uma blusa de renda com um decote comum em roupas femininas. “O motorista quando me viu começou a falar coisas que sugeriram que eu estava fazendo programa ou em busca de um parceiro. Eu fiquei estressada, discuti, o chamei de idiota e disse que minha roupa não me definia”, lembra, ao citar que a discussão não passou disso.

Marília Cafe, escritora que sofreu homofobia, junto com esposa, durante corrida no aplicativo Uber
Marília Cafe e a mulher foram ameaçadas de morte no fim de uma viagem com motorista de aplicativo(foto: Arquivo Pessoal)

 

Desumano

A deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), uma das primeiras transexuais no Congresso Nacional, diz que uma das formas de a transfobia desumanizar os corpos trans é por meio da sexualização. “A sociedade expulsa as travestis de suas casas, das escolas e nega trabalhos formais, restando a prostituição como a única possibilidade de renda. A prostituição, no caso da imensa maioria das travestis, não é uma opção, mas uma sentença dada pela sociedade”, diz.

A parlamentar completa dizendo que muitas pessoas estão sempre relacionando uma pessoa trans com ato sexual. “A sociedade reduz toda a nossa vida ao sexo, como se fôssemos atentados ao pudor ambulantes. Para o olhar de pessoas transfóbicas, mesmo que uma pessoa trans esteja fazendo a coisa mais banal do mundo, como ler um livro em uma praça, é percebido como sexual, como uma oferta, como se nossos corpos estivessem sempre disponíveis para servir aos desejos das pessoas cis”, observa. “Nos acusam de ser excessivamente sexualizadas, mas não somos: é a nossa sociedade que é”, completa

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