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STF, descriminalização do porte de drogas para uso individual e saúde pública

Ricardo Tolomelli/Divulgação

Por Claudia de Lucca Mano

O STF (Supremo Tribunal Federal) retomou ontem o julgamento sobre o porte de drogas para consumo próprio. O tema é marcado por uma série de elementos e desafios que ampliam o debate sobre saúde pública e direitos individuais no Brasil.

O Supremo julga a aplicação prática do artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006). Para diferenciar usuários de traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento obrigatório a curso educativo para quem adquirir, transportar ou portar drogas para consumo pessoal. No entanto não há uma definição clara da quantidade de entorpecentes que caracterizam uso ou tráfico. Com isso, a aplicação da lei penal acaba sendo desigual no pais.  

A lei deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização. Dessa forma, usuários de drogas ainda são alvo de inquérito policial e processos judiciais. Segundo Moraes, “dados estatísticos mostram que a lei não é igual para todos. O analfabeto é considerado traficante com 32 g. Quem tem segundo grau completo, 40 g. Portadores de diploma de ensino superior, com 49 g. Ou seja, não há justiça nisso”.  

Na visão de Moraes, uma definição de limites de quantidade de drogas servirá para diferenciar usuários de traficantes. Segundo o ministro, devem ser levadas em conta as circunstâncias das apreensões para não permitir discriminação entre classes sociais. Após o voto de Moraes, o julgamento foi suspenso a pedido do relator do caso, ministro Gilmar Mendes.

O relator disse que pretende aprofundar voto já proferido e prometeu devolver o processo para julgamento nos próximos dias. Até o momento, o placar do julgamento é de 4 votos a 0 pela descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Entretanto, ainda não se sabe se a liberação será somente para maconha ou também para outras drogas. A presidente da corte, ministra Rosa Weber, que se aposentará em breve, pontuou que gostaria de votar.

Um dos pontos recentes que contribui para a discussão é a polêmica proibição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em relação à importação de flores de cannabis para uso medicinal, através da Nota Técnica 35/2013. Tal medida levanta questionamentos sobre a abordagem regulatória em relação aos entorpecentes e como ela afeta diretamente a liberdade de escolha e o acesso à saúde de muitos pacientes.

Este julgamento representa uma oportunidade única para o país enfrentar um dos seus maiores desafios sociais. A guerra contra as drogas tem se mostrado infrutífera, com resultados desastrosos, como a superlotação do sistema carcerário e o fortalecimento das organizações criminosas ligadas ao tráfico. Neste contexto, a possibilidade de descriminalização pode significar um avanço no tratamento de dependentes químicos e redirecionamento de esforços para a prevenção e conscientização.

Diversos especialistas da área de saúde, juristas e representantes da sociedade civil têm defendido a abordagem de redução de danos e a necessidade de se investir em políticas públicas voltadas para o tratamento e acompanhamento de usuários de drogas. A ênfase na saúde pública, ao invés da punição, pode ser um caminho para a resolução de um problema complexo e multifacetado.

Nesse contexto, vale ressaltar que a Lei de Entorpecentes (Lei 11.343), vigente no Brasil desde 2006, já traz dispositivos que distinguem claramente as figuras jurídicas do usuário e do traficante. O artigo 28 da lei prevê a diferenciação, priorizando a redução de danos e medidas socioeducativas para os usuários, reconhecendo o direito da pessoa em decidir sobre sua própria saúde.

O artigo 19, inciso III, da Lei de Entorpecentes, por exemplo, já determina que as medidas socioeducativas previstas no artigo 28 sejam aplicadas aos usuários de drogas, priorizando a reeducação e a reintegração social, em vez da reclusão em um sistema penitenciário muitas vezes sobrecarregado e ineficiente. Já os artigos 20 e 21 tratam do tratamento de dependentes químicos, assegurando o direito à atenção integral à saúde e ao respeito à dignidade humana. Isso reforça a ideia de que a abordagem sobre o consumo de drogas deve ser focada na saúde pública e no bem estar dos cidadãos, evitando a estigmatização e a criminalização dos usuários.

Dessa forma, enquanto o PL 399/15 não avança no Congresso, e enquanto a Anvisa não conclui a revisão da RDC 327/19, é crucial que o STF delibere sobre o julgamento do porte de drogas para consumo próprio, garantindo que a decisão esteja alinhada com os princípios de proteção da saúde, dos direitos individuais e da busca por soluções mais eficazes e humanitárias para a questão das drogas no país.

O debate em torno desse julgamento ganha ainda mais relevância à luz das recentes medidas adotadas pela Anvisa para restringir o acesso de pacientes a cannabis medicinal em sua forma vaporizada (NT 35/2023, proibição da importação de flores, mesmo com receita médica). O Brasil tem a oportunidade de seguir uma rota mais sensível, baseada em evidências e em consonância com padrões internacionais, buscando soluções que priorizem a saúde pública e o bem-estar de todos os brasileiros.

Entretanto, não podemos ignorar as vozes que se opõem à descriminalização, preocupadas com o possível aumento do consumo e seus impactos na sociedade.

Independentemente do resultado final do julgamento, a sociedade brasileira está diante de uma oportunidade para refletir sobre suas políticas de drogas e o tratamento dispensado aos usuários. É fundamental buscar alternativas que priorizem a saúde e o bem estar da população, sem deixar de lado a importância de coibir efetivamente o tráfico e o crime organizado.

Enfrentar o desafio do uso de drogas no Brasil exige uma abordagem aberta ao diálogo e à mudança, com base em evidências e experiências bem-sucedidas em outros países. O julgamento do STF sobre o porte de drogas para consumo próprio pode ser o primeiro passo em direção a uma sociedade mais justa e consciente, onde a saúde e os direitos individuais sejam colocados no centro das políticas públicas.

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