Ideia do presidente do Congresso ocorre em meio a uma insatisfação dos parlamentares quanto a uma suposta “invasão de poderes” pelo STF
A crise entre Legislativo e Judiciário se acirrou após o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sugerir proposta de emenda à Constituição (PEC) no sentido de instituir mandatos para futuros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje o cargo não tem limite de permanência para além da obrigatoriedade de aposentadoria aos 75 anos.
“É comovente ver o esforço retórico feito para justificar a empreitada: sonham com as Cortes Constitucionais da Europa (contexto parlamentarista), entretanto o mais provável é que acordem com mais uma agência reguladora desvirtuada. Talvez seja esse o objetivo”, escreveu o magistrado.
A irritação de Gilmar Mendes encontra eco entre outros ministros da Corte, que veem a proposta como uma provocação do Legislativo.
A ideia de limitar a permanência dos futuros ministros tem como pano de fundo uma série de julgamentos da Corte que tencionaram a relação entre os dois poderes da República. Na avaliação de líderes do Legislativo, o Supremo tem excedido sua competência e atuado em áreas que seriam de responsabilidade da Câmara e do Senado, na função de legislar. Votações, no STF, de temas como a descriminalização do porte de drogas e do aborto abriram essa crise.
Proposta de mandatos
Diferentemente do Legislativo e do Executivo, a permanência dos ministros no Supremo Tribunal Federal não é limitada por mandatos. A Constituição estabelece que, após indicação pelo presidente da República e sabatina no Senado, o novo ministro pode permanecer na Corte até os 75 anos de idade.
O escolhido de Lula (PT) Cristiano Zanin, por exemplo, poderá ocupar a vaga até 2050. Se aprovada, a medida proposta por Rodrigo Pacheco passaria a valer nas próximas indicações do presidente, sem limitar a permanência dos atuais ministros.
Na avaliação de Camilo Onoda Caldas, diretor do Instituto Luiz Gama, mudar as regras neste momento pode levar à instabilidade e à insegurança jurídica. Segundo ele, a garantia de vitaliciedade assegura aos magistrados que eles possam exercer suas atividades sem interferência externa.
“A disputa em torno dos cargos com mandatos tende a ficar mais acirrada e entrar na conta do jogo político, o que pode fazer com que as escolhas fiquem ainda mais enviesadas”, observa.
O advogado constitucionalista faz um paralelo da proposta com o tratamento dado ao STF durante a ditadura militar. No período, a Corte teve o número de ministros aumentado para criar uma composição mais alinhada com os militares.
Inspiração internacional
Rubens Beçak, professor de graduação e pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), por sua vez, considera necessário distinguir os momentos históricos.
“Na ditadura, o que acontecia é que, por se tratar de um regime autoritário, muitas vezes, quando o ministro tomava uma decisão que contrariasse os interesses do general no poder, essa pessoa era cassada”, explica.
O professor considera que todas as iniciativas legislativas ou constitucionais que procurem otimizar o Judiciário são bem-vindas. “O Brasil sempre seguiu desde a Proclamação da República, e até mesmo antes, no decreto que criou o Supremo Tribunal Federal – como nós conhecemos hoje – o modelo estadunidense, que é o da indicação, sabatina e então assume o cargo”, diz.
Ele ressalta que cortes constitucionais europeias, por exemplo, a alemã e a austríaca, adotam sistema de mandatos. “O tema é muito interessante. Trata-se da melhora do que nós temos, que já é uma instituição que funciona muito bem e que pode funcionar melhor”, defende.
Interlocutores disseram ao Metrópoles que o ministro Luís Roberto Barroso mantém a posição que expôs na sabatina dele, há 10 anos. Na Constituinte, defendeu a ideia de um mandato de 12 anos para os ministros do Supremo, modelo adotado por alguns países europeus. No entanto, ele alegou, na ocasião, que, como não prevaleceu essa ideia, pior do que não ter o modelo ideal é ter um modelo que não se consolida nunca.
Acirramento da relação
Não é de hoje que a relação entre Congresso e STF está complicada. Um ponto-chave para entender o recrudescimento da tensão está no fato de o Judiciário, neste ano, ter se debruçado sobre questões que se opõem à pauta conservadora.
Após oito anos, o Supremo começou apreciar uma matéria que pode levar à descriminalização do porte de drogas no país. Com placar de 5 a 1 pela descriminalização apenas de maconha para consumo próprio e com maioria para que seja estabelecida uma quantidade mínima da droga que diferencie usuário de traficante, o julgamento foi adiado.
A apreciação da questão pelo STF gerou reação de Rodrigo Pacheco, que classificou o julgamento do tema como um “equívoco grave” e uma invasão de competência do Poder Legislativo.
Outro caso julgado no STF e que também alterou o humor do Legislativo foi o marco temporal. A tese de que apenas poderiam ser consideradas terras indígenas aquelas ocupadas na data da promulgação da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, acabou declarada inconstitucional.
Na semana seguinte, o Senado Federal aprovou projeto de lei que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Compõe o cenário ainda o voto da ex-presidente do STF Rosa Weber contra a criminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Após destaque de Roberto Barroso, o julgamento continuará em plenário presencial, em data a ser marcada.