• Author,Mariana Schreiber
  • Role,Da BBC News Brasil em Brasília

Um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) já tem a maioria de votos para modificar o funcionamento do foro por prerrogativa de função, conhecido como foro privilegiado — direito concedido a autoridades de não ser julgado na primeira instância judicial.

Com a mudança, políticos investigados por supostos crimes cometidos durante seu mandato e relacionados ao exercício do cargo manterão o foro especial mesmo após deixarem a função.

Pela regra atual, fixada em 2018, uma investigação ou ação contra um político com foro deve ser remetida à primeira instância quando ele deixa o cargo, a não ser que o processo esteja em fase final de tramitação (já nas alegações finais das partes).

A justificativa para a mudança é evitar o chamado “elevador processual”, quando um processo ou investigação fica mudando de instância judicial conforme o político perde ou conquista um mandato com foro privilegiado.

Para os ministros que votaram a favor da alteração, esse vaivém torna o andamento judicial mais lento, favorecendo a impunidade.

A mudança foi proposta pelo ministro Gilmar Mendes, relator de um habeas corpus apresentado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), em que o parlamentar pede para continuar sendo julgado pelo STF em uma ação que o acusa de ter cometido “rachadinha” (desvio de verba de gabinete) quando era deputado federal.

Sua posição foi acompanhada pelos ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Luis Roberto Barroso.

Após o voto de Barroso, que consolidou a maioria a favor da tese de Gilmar Mendes, o julgamento foi paralisado por um pedido de vista do ministro André Mendonça.

Além dele, ainda faltam votar os ministros Edson Fachin, Carmen Lúcia, Luiz Fux e Nunes Marques, mas ainda que todos votem contra, não seria suficiente para reverter o resultado.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil reconhecem que a alteração terá o efeito positivo de reduzir o “elevador processual”, mas destacam também outro impacto: o aumento dos poderes da Corte sobre políticos, em um momento de tensão do Supremo com o Congresso e políticos bolsonaristas.

Um exemplo é o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que enfrenta diversas investigações no gabinete do ministro Alexandre de Moraes por supostos crimes, como tentativa de golpe de Estado, venda de joias do acervo presidencial e fraude em cartões de vacinação.

Havia questionamentos, entre apoiadores do ex-presidente e parte do meio jurídico, se seria correto esses inquéritos serem mantidos no STF, após Bolsonaro perder seu cargo.

Com a mudança de regra, o STF consolidaria o entendimento de que essas investigações devem permanecer na Corte.

O constitucionalista Diego Werneck, professor do Insper, ressalta que o Supremo tem apresentado outros argumentos jurídicos para manter casos de pessoa sem foro em sua alçada.

É o caso, por exemplo, de desdobramentos do Inquérito das Fake News, em que o STF entendeu que poderia investigar pessoas comuns que atacassem a Corte e atentassem contra o Estado Democrático de Direito.

Mas o professor considera que a nova regra aprovada pela Corte para o foro especial reduz a possibilidade de questionamentos no caso de Bolsonaro e outros políticos que tenham perdido essa prerrogativa.

“Sem a nova regra, continuaria possível (manter investigações contra Bolsonaro no STF), mas seria muito mais discutível. Sem dúvida nenhuma, os caminhos seriam muito mais complicados. E agora fica mais evidente que não tem o que discutir”, destaca.

Para Werneck, a mudança da regra é positiva ao combater o problema do vaivém de investigações e processos.

“Perde-se muito tempo, às vezes anos, na Justiça, só para se determinar quem vai julgar”, observa.

No entanto, para além dessa motivação técnica, o professor acredita que o contexto político favoreceu a mudança de entendimento da Corte sobre o funcionamento do foro especial.

“Tem outro tipo de razões (para mudar a regra do foro) que são mais conjunturais. Eu acho que, nesse arco do governo Bolsonaro, o Supremo percebeu que é importante ter poder sobre os políticos. Percebeu que isso foi um ingrediente chave até para o esforço de resistência do Tribunal (a ataques) em vários momentos”, avalia, ressalvando considerar negativa essa percepção de uma atuação política do Tribunal.

Gilmar Mendes gesticula

CRÉDITO,DIVULGAÇÃO STF

Legenda da foto,Gilmar Mendes liderou a mudança na regra do foro privilegiado

O advogado João Marcello Alves Costa, que estudou o funcionamento do foro especial em sua dissertação de mestrado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), tem visão semelhante.

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