Rafa Mores, que se identifica como trans não-binárie, conhece bem a resistência do mercado de trabalho aos profissionais da comunidade LGBTQIA+.
Depois de se formar em Engenharia de Computação na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) com dupla diplomação na França, passou por 69 processos seletivos antes de conseguir uma vaga como trainee.
Rafa fala três línguas, recebeu prêmios da SBC (Sociedade Brasileira de Computação) e do Instituto de Engenharia da Computação da Unicamp por seu desempenho na turma de graduação de 2014. Além disso, recebeu, do Ministério das Relações Exteriores da França, uma bolsa por mérito acadêmico.
“Diziam que eu era muito informal pro mercado financeiro formal. Falta representatividade, faltam corpos diversos nesses lugares.”
Neste 17 de maio, Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, vale lembrar que 90% da população trans no Brasil atua no mercado do sexo por falta de outras oportunidades – segundo dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
Diversidade e inclusão são palavras da moda nos discursos das empresas, mas violências cotidianas mostram que ainda há uma série de barreiras para a comunidade LGBTQIA+ no mercado de trabalho. Em especial, para as pessoas transexuais.
Hoje, com a startup Tamo Juntes, Rafa, a sócia Brenddáh Hudson e mais quatro pessoas transexuais ou travestis promovem capacitações gratuitas para inserir a população trans no mercado de trabalho. E, não menos importante, capacitam os colegas de trabalho que irão recebê-los.
Rafa Mores (E) e Brenddáh Hudson (D) promovem treinamentos de candidatos LGBTQIA+ e de empresas na Tamo Juntes. — Foto: Divulgação
“Temos que preparar as pessoas e o mercado de trabalho também tem que estar preparado. Treinamos pessoas mentoras que hoje não necessariamente sabem liderar pessoas trans.”
Victor Lambertucci é CEO da Profissas e idealizou a comunidade Carreira LGBT+. — Foto: Divulgação
O especialista em diversidade e inclusão Victor Lambertucci, CEO da Escola de Diversidade Profissas, também defende o “letramento” e a sensibilização de quem não está acostumado a conviver com a diferença.
Para ele, o machismo estrutural e a predominância de homens heterossexuais em cargos de liderança estão na origem da dificuldade de ascensão profissional de pessoas LGBTQIA+.
Preconceitos e violências
Única repórter trans na TV aberta, Lisa Gomes foi vítima de um caso típico de agressão verbal no ambiente de trabalho. Ela se preparava para entrevistar o cantor Bruno quando ele perguntou sobre sua genitália. Depois, o artista admitiu que cometeu transfobia e pediu desculpas.
Homem gay cisgênero, o ator Valter Bastos já foi vítima de vários episódios de violência física e verbal em 23 anos de trabalho como drag queen e palestrante. Contratado para um casamento pela própria noiva, foi impedido de se apresentar. “Padrinhos me ameaçaram e disseram que se eu entrasse me bateriam até eu virar homem.”
Valter trabalha há 23 anos como drag queen e já sofreu vários tipos de violências. — Foto: Giovanni Carpigiani
O Brasil ainda é o país com mais registros de mortes violentas entre a população LGBTQIA+ no mundo. Segundo o Observatório de Mortes e Violências contra LGBT+ no país, foram 273 casos registrados em 2022.
O 17 de maio como Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia marca a data em que, só em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou de classificar a homossexualidade como um transtorno mental.
Ofender ou ameaçar uma pessoa por sua orientação sexual ou identidade de gênero pode configurar crime de homofobia ou transfobia, equiparado hoje ao crime de racismo. E chamar uma pessoa trans pelo nome que ela escolheu e pelo gênero com o qual se identifica não é apenas cordialidade, e sim obrigação em ambientes escolares e de trabalho.
Uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo divulgada nesta terça-feira (16) condenou por dano moral uma empresa que tratava um funcionário homem trans pelo nome civil de registro em vez do nome social. Por ironia, a empresa dizia manter um programa de diversidade e inclusão.
Ações afirmativas
A presença maior de analistas em diversidade e a criação de comitês sobre o tema nas empresas têm mostrado um esforço, ao menos, de adaptação às exigências do público. Para Victor, conscientizar os ambientes de trabalho é hoje uma questão de inteligência de negócios.
“As empresas vêm percebendo que estão perdendo espaço e mercado quando a audiência é plural e elas não conhecem suas necessidades de relacionamento e consumo.”
Por razões diferentes da destinação obrigatória de vagas a pessoas pretas, pardas ou PCDs, as vagas afirmativas são consideradas uma abertura importante para a comunidade LGBTQIA+. Embora não haja obrigatoriedade jurídica, seleções de emprego têm adotado cada vez mais a prática, destaca a gerente do portal Empregos.com.br Tábata Silva.
“São todos grupos que foram subrepresentados, minorizados ou excluídos. A questão afirmativa corrige erros de décadas ou séculos de obstáculos”, ressalta Victor.