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A zaninização do governo

O ministro do Supremo Tribunal Federal Cristiano Zanin. Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Os cinco primeiros votos de Cristiano Zanin em sua estreia como ministro do STF chocaram a esquerda e entusiasmaram a extrema-direita. O espanto no campo progressista não vem do comportamento e das opiniões do rico advogado, que tem o direito de pensar e agir como bem entender. Vem do fato de um tipo assim ter chegado ao Supremo pelas mãos de um presidente tido como progressista.

O advogado é expressão acabada de um conservadorismo-brucutu, apesar de seu jeito refinado, cabelos disciplinados com gel e eterna cara de coroinha fofo. É algo típico da classe média do interior de São Paulo. Sua carreira ganhou súbita turbinada ao ajudar a desmontar a farsa judiciária contra Lula, no âmbito da Lava-Jato. Ponto.

Zanin nunca foi jurista, nunca se notabilizou por postulados teóricos no âmbito do Direito, por opiniões conhecidas sobre a vida política e social do Brasil ou coisa que o valha. Cristiano Zanin como figura pública existe por ser “o advogado de Lula” e nada mais.

Zanin não foi escolhido por pressão do Centrão, da Faria Lima, das Forças Armadas, da frente governista ou coisa que o valha. Não é um ministro indicado por uma plêiade de partidos fisiológicos para integrar um efêmero ministério. Nomeação para cargo vitalício envolve compromissos de outra natureza. O advogado de Lula ficará na cadeira por 27 anos, a não ser que um cataclismo ocorra no país. Ninguém nomeia ninguém para um posto de tamanho poder e por tanto tempo no âmbito do Estado se não houver comunhão plena de ideias, propósitos e perspectivas.

Aventar possíveis equívocos na escolha de ministros do STF significa subestimar a capacidade de discernimento de quem ocupa o principal cargo do palácio do Planalto. Não há dedo podre, não há erro: há – por missão ou omissão – a concretização de algum projeto.

O ministro do STF Cristiano Zanin ao lado do presidente Lula. Foto: Ricardo Stuckert

O comportamento e os votos do novo integrante do STF prestam inestimável serviço à percepção das escolhas do atual governo. Zanin levanta véus, desfaz cortinas de fumaça, revela diretrizes e dissolve ilusões. Zanin mostra  dureza implacável contra indígenas, contra pobres, contra o avanço de direitos da comunidade LGBTQIA+ e contra algum tipo de política de segurança mais racional. É impossível que quem o indicou não soubesse de quem se tratava.

De certa forma, o jeito Zanin de agir não se restringe ao personagem, mas multiplica-se pela administração federal. Afinal, o que significa o país se livrar do torniquete de Paulo Guedes na Economia e cair num novo teto de gastos, limpinho e cheiroso, que segue demonizando o investimento público e avaliando que o principal problema do país é um interminável problema fiscal nunca comprovado?

O que pensar então de um ministro da Casa Civil que comandou o estado da PM que mais mata pobres no país? Como avaliar um titular da Defesa que passa o pano para generais golpistas e esmera-se como despachante de privilégios fardados? Como encarar uma Secretaria de Comunicação que se desdobra para rechear as organizações Globo de publicidade?
Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
Artur Lira critica Petrobras
Foto: Reprodução/Poder360

Como classificar uma articulação política no Congresso que fecha os olhos para o fato de boa parte da bancada do principal partido da coligação governista conviver com ditames de Artur Lira? Como enxergar um presidente da Petrobrás que segue colocando a satisfação dos acionistas acima de qualquer política de desenvolvimento ao elevar absurdamente os preços dos combustíveis?

Como aceitar os discursos pretensamente indignados contra a privatização da Eletrobrás sem que se tome qualquer iniciativa para evitar a venda da Copel, no Paraná? Os exemplos poderiam seguir adiante, num detalhamento mais fino. Mas fiquemos por aqui.

Cristiano Zanin não é ponto fora da curva. O novo ministro presta um favor à opinião pública ao mostrar como funciona a articulação entre palavra e gesto numa gestão que veio supostamente para mudar comportamentos políticos. Há uma espécie de zaninização das principais esferas do governo. Parece até que vivemos tempos normais, como se o bafo do fascismo não representasse ameaça cotidiana à democracia.

Oito meses depois da posse, Lula segue com aprovação popular crescente. Seu governo precisa de apoio decidido, pois não há alternativa visível e viável contra o fascismo. Ao mesmo tempo, sabemos que a atual maré está longe da estabilidade. Não há nenhuma perspectiva – e nem projeto – para um surto de desenvolvimento consistente que retire o país da rota da mediocridade, após quase 13 anos de ininterrupto juste fiscal.

O governo precisa de apoio. E de crítica e pressão também.

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