Em 2023, 56 mulheres procuram a Vara da Infância e da Juventude do DF para fazer a entrega legal dos filhos, o que permitido por lei
Vulnerabilidade social, ambiente de violência doméstica, pobreza extrema, conflito familiar, depressão, ansiedade, vítima de violência sexual. Esses são os principais motivos apresentados por mulheres quando buscam a Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ-DF) para fazer a entrega legal dos filhos – forma permitida por lei de se colocar uma criança à adoção. Em 2023, 56 mulheres no DF procuram a alternativa. Dessas, 21 mães entregaram os filhos.
“A entrega legal não é uma decisão fácil. Não é decisão simples, sem sofrimento, mas, quando é tomada de forma bem trabalhada, consciente, é uma decisão protetiva para essa criança e para essa mulher”, explica a psicóloga Maíra Coelho, da vara, que desde 2007 trabalha com adoção, sendo há 9 anos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
“Essa mulher tem quatro filhos, não consegue se sustentar nem sustentar os filhos. A situação é muito difícil para ela, que tem zero assistência, apoio, tá ali grávida pela quinta vez. Ela decide entregar à adoção, para que consiga proteger esse bebê”, exemplifica.
A difícil decisão pode ser tomada ainda durante o período gestacional ou logo após o parto. O processo é sigiloso. Assim que é manifestado o interesse, inicia-se o acompanhamento psicossocial dessas mulheres pela VIJ, que desenvolve os cenário das consequências, seja entregando o filho à adoção ou não.
“A gente trabalha tudo, questões de rede de apoio, de luto, de pré-natal. Cada caso vai ter sua especialidade”, acrescenta. “Quando chegam, elas estão muito nervosas, muitas vezes uma gravidez não planejada, violência sexual, mulheres em situação pobreza, que já têm outros filhos e não sabem o que fazer. Às vezes é
Há uma grande diferença em números quando o acompanhamento da VIJ é feito ainda durante a gravidez. Neste ano, das 34 gestantes que manifestaram o interesse em entregar o bebê para a adoção, apenas três concluíram o processo. Já quando as mulheres decidiram entregar os bebês somente na hora do parto, o número aumenta: de 22, 18 efetivaram a entrega.
“É um acolhimento e uma reflexão sem julgamento. A gente está lá para acolher a mulher e ajudar a tomar a decisão da melhor forma possível”, comenta. “Às vezes, somos as primeiras pessoas que tratam essas mulheres com respeito”.
O encaminhamento
A mulher pode ir direto ao Tribunal de Justiça para informar sobre o interesse, mas o mais comum é quando o procedimento ocorre em parceria com a Secretaria de Saúde, no processo de pré-natal.
No ano passado, a Saúde publicou as recomendações técnicas sobre Entrega Legal e Humanizada de Bebê para Adoção no Âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do DF. Veja aqui as orientações.
“O acolhimento, a escuta empática, o cuidado no momento da entrega, o favorecimento da despedida do bebê e o registro dessas informações são fundamentais, tanto para que a mulher possa fazer o ‘luto’ por esse bebê, quanto para a constituição psíquica dele”, destaca o texto da pasta.
No DF, a Lei Nº 5.813, de 2017, ainda há legislação que determina placas fixas em locais de fácil visualização em unidades públicas e privadas de saúde informando sobre a entrega legal.
“A entrega de filho para adoção, mesmo durante a gravidez, não é crime. Caso você queira fazê-la, ou conheça alguém nesta situação, procure a Vara da Infância e da Juventude. Além de legal, o procedimento é sigiloso”, conforme determina o texto, que ainda determina conter o endereço e o telefone atualizados da vara.
Além da Saúde, a rede para entrega legal é integrada, envolvendo também o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a Defensoria Pública do DF, e o Centro de Referência de Assistência Social (Cras).
Ao decidir pela entrega
Quando a mulher decide pela entrega, é feita uma nova entrevista após o parto, para confirmar ou não o processo. Caso não haja desistência, a equipe faz o relatório e encaminha para o juiz, que vai marcar a audiência.
Com essa confirmação, a equipe psicossocial do TJ desenvolve, então, esse processo de luto e de desapego do filho. “A gente vai trabalhar com ela, que ela não é uma pessoa ruim, não é do mal, não é do monstro. Ela tomou essa decisão porque tinha fatores muito difíceis na vida dela e entre as opções possíveis essa é a mais protetiva para ela e para a criança”, comenta a psicóloga Maíra Coelho.
No dia marcado, a mãe deve ir acompanhada de um representante legal, na maioria das vezes é a Defensoria Pública. O MP também estará presente. A qualquer momento a mulher pode desistir da entrega. Após a confirmação, na audiência, a legislação prevê que a mulher tem o prazo de 10 dias para se arrepender. Depois desse período, a criança é cadastrada para adoção.
“Elas perguntam assim: vou confirmar em audiência, mas quero saber se a criança está bem, se está saudável, se saiu do hospital”, detalha. Nesse processo, a mãe é obrigada a registrar a criança. Isso porque a legislação também prevê o direito de origem e toda criança tem que ter Certidão de Nascimento, garantindo o direito à cidadania. Caso ela não dê um nome, a diretriz adotada é que seja registrada com o dos avós.
As informações da entrega são sigilosas, mas há uma exceção. Quando aquele recém-nascido tiver 16 anos – auxiliado de um responsável legal – ou 18 anos, é a única pessoa que pode ter acesso ao processo.
“Princípios muito importantes que se chocam nesse momento”, destaca a psicóloga da VIJ. “A gente respeita o sigilo, os processos são guardados e sigilosos, mas a gente também tem que respeitar o direito de origem, que é o direito de o filho adotivo tem de saber sua origem, sua história e o que aconteceu”, conta. “Em termos psicossociais, no desenvolvimento da personalidade, a gente sabe que ter acesso a sua história a origem é extremamente saudável para que a pessoa construa uma personalidade organizada e viva bem”
Romantização da adoção
A psicóloga alerta para o fato de a adoção ser romantizada muitas vezes. “Muitas vezes se pega só um recorte da adoção. Esse ponto da entrega é algo muito difícil. É um sofrimento para a mãe entregar”, completa.
Para a psicóloga, a adoção é uma medida necessária, porém excepcional. Até 19 de outubro, 27 crianças foram adotadas no Distrito Federal, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, em 2023. Atualmente, há 36 crianças e adolescentes cadastrados para adoção e 534 pessoas haviam demonstrado interesse em acolher os menores. Entre os cadastrados, estão 58 solteiros; 30 divorciados; 46 em união estável; 399 casados e 1 viúvo.